A JANELA.




A JANELA:(exercício 2) conto de Lygia Fagundes Telles. (1965).

Adaptação: Gabriel Arcanjo Rodrigues.

Obs: Esta adaptação foi escrita para fins didáticos, para exercício em sala de aula. Aconselha-se os leitores a ler o texto original .

PERSONAGENS:

Homem: cerca de 55 anos, alto e magro, rosto melancólico.

Mulher: Prostituta, cerca de 25 anos mas com aparência de mais.

Dois enfermeiros: Um mulato é mais velho, cerca de 50 anos, o outro jovem e forte, cerca de 25 anos.

Três mulheres: Prostitutas, todas com mais de 30 anos, um pouco caricatas.


QUARTO DE UMA CASA DE PROSTITUIÇÃO. CENTRO DO RIO DE JANEIRO. FIM DE TARDE:

Mulher estendendo a mão e sorrindo.

Homem: (imóvel, braços caídos ao longo do corpo, sem notar o gesto da mulher, olhos fixos na janela.) Havia ali uma roseira.

Mulher: (lentamente amarra na cintura o cinto de chambre de seda japonesa. Examina mais atentamente o homem) Que roseira?

Homem: (tom velado, vagando o olhar pelo quarto) Uma roseira... Certa vez, deu mais de cem rosas. Umas rosas enormes, vermelhas...

Mulher: Como é que o senhor sabe?

Homem: Meu filho morreu neste quarto.

Mulher: (sentando-se na beirada da cama, o sorriso vai se desfazendo) Seu filho?!

Homem: Este era o quarto dele. Exatamente onde está sua cama ficava a cama dele.

Mulher: Isso faz muito tempo?

Homem: Não sei.

Mulher: (encarando-o e estendendo o maço de cigarro) Está servido?

Homem: Não fumo.

Mulher: No que faz bem. Diz que fumo dá aquela doença que nem gosto de falar. Queria ver se deixava, mas quando deixo engordo que nem louca... (a gola do chambre abre-se no peito, fecha a gola frouxamente) O senhor... Você não quer se sentar? Fique à vontade...

Homem: (sentando-se em uma cadeira vermelha) Eu precisava rever essa janela.

Mulher: Só a janela?

Homem: (fixa um olhar desesperado) Meu filho morreu aqui.

Mulher: Deve ter sido horrível (sopra a brasa do cigarro) Sorte a minha ter escolhido este quarto, só assim podia te conhecer... Sabe que você é o meu tipo?

Homem: Era ele quem cuidava da roseira.

(som de vitrola vinda do cômodo ao lado, um samba-canção)

Mulher: (pigarreando forçadamente) Mas então? Você trabalha por perto? Me dê sua mão, deixa eu adivinhar o que você faz, sei ler mão, uma vez disse para um cara, você vai ganhar na loteria! E não é que ele ganhou mesmo? Me dá sua mão e eu já digo o que você faz, dá aqui, bem...

Homem: Não trabalho... (percorrendo com o olhar o teto do quarto)  Não é estranho? assim sem roseira a janela parece menor.

Mulher: (esmaga no cinzeiro a brasa do cigarro, examina o homem intrigada) Quando me mudei para cá não tinha nenhuma roseira.

Homem: Morreu exatamente um mês depois dele.

Mulher: Pois quando cheguei aqui, nem mais o canteiro achei, isso já faz três anos. Sou de Rio Preto, já contei?

Homem: (tira do bolso uma pequena caixa de injeção) Na véspera de morrer ele ainda me pediu que eu abrisse a janela, queria sentir o perfume. Enquanto pôde, debruçou-se nela. Depois, quando perdeu as forças, ficava olhando da cama. Um galho da roseira insistia em entrar pelo quarto adentro. Era um galho tão áspero, tão violento, eu o afastava, mas ele vinha cheio de espinhos e folhas. Nunca tive coragem de cortá-lo.

Mulher: (afundando na cama até recostar-se no ângulo do espaldar com a parede, voz baixa com a do homem) Que é que você tem aí dentro? Injeção?

Homem: (abrindo a caixa) Nada. Está vazia.

(uma porta bate, o barulho assusta a mulher)

Mulher: Sempre me assusto quando uma porta bate. (desculpando-se) Fico nervosa à toa...

Homem: Queria que me perdoasse... Mas é que eu precisava ver essa janela.

Mulher: Fique à vontade, o que é de gosto, regalo da vida!

Homem: Era muito importante para mim voltar aqui.

Mulher: Já entendi, essas coisas eu entendo, pode deixar. Você é estrangeiro?

Homem: Meu pai era dinamarquês.

Mulher: (repetindo inexpressivamente) Dinamarquês... Logo que você entrou, achei que devia ser estrangeiro. posso saber seu nome?

Homem: (abaixando a cabeça) As casas deviam ter mais janelas.

(som de passos ressoando pesadamente no cômodo vizinho, a música da vitrola é interrompida, fazendo a agulha riscar o disco)

Mulher: A Brigite é apaixonada por esse disco, repete ele umas cem vezes por dia. Agora está mudando de lado. Quer que eu vá pedir para ela parar?

Homem: (sussurrando) Não se incomode... (estende a mão espalmada na direção da mulher e a recolhe quando vê ela estremecer) Assustei-a?

Mulher: Que nada! É que sou mesmo assustadiça, ando nervosa, acho que é o calor, está hoje um calor, não está? Mas posso pedir para ela diminuir, vou num minuto.

Homem: (apontando para o ouvido) É aqui que está o botão para diminuir o som. Todos os botões estão em nós mesmos.

(recomeça a música acompanhada por uma voz de mulher cantarolando)

Mulher: O senhor sabe as horas? Marquei hora na Mirtes.

Homem: Não tenho relógio. Mas por que me chamou de senhor? (esboça um sorriso) Nos reuníamos junto a lareira. Foi na casa do meu avô que eu vi a neve pela primeira vez. Cobria tudo, não se podia abrir a vidraça. Então ficávamos na sala, brincando perto da lareira. Tinha um corcundinha de roupa amarela e chapéu de guizos. Os dentes eram de ouro. Eu rolava com ele no tapete, fazendo-lhe cócegas só pra ver seus dentes...

Mulher: Também tenho um dente de ouro... (risinho entrecortado) Só que lá no fundo. às vezes dói, o bandido.

Homem: Começa hoje a primavera. Você teria rosas lindíssimas.

Mulher: (fica de joelhos na cama, fala delicadamente) Olha, espere um pouco que vou buscar um refresco para nós, tá? A Nanci fez uma delícia de refresco, uvaia com bastante açúcar, bem geladinho.

Homem: (olhando para os dedos) Não seria preciso mais do que uma pequena janela. Poderia então respirar. E quem sabe um galho de roseira...

(mulher vai deslizando para o chão, vai até a porta)

Mulher: Fica bonzinho, volto num instante, tá? (sai)

( pausa,escurece, o homem fica sentado na semi obscuridade)

Mulher: (voltando) Demorei muito? É que fui buscar laranjas, o refresco tinha acabado, fiz outro, está na geladeira... (junto a porta, a mão torcendo o trinco) Vou acender a luz, está escuro demais, credo!

Homem: (com doçura) Não, por favor, está tão bom assim... É nesta hora que começa o perfume, a gente sente melhor no escuro.

Mulher: Perfume de quê?

Homem: De rosas.

(a mulher encosta a cabeça na porta, do corredor vem um ruído arrastado de passos. Vozes de homens e mulheres cruzando-se precipitadas, a porta abre. Um enfermeiro entra a passos largos, seguido por outro enfermeiro. Três mulheres de ar assombrado ficam espiando do lado de fora. Alguém acende a luz. O homem levanta-se e tapa os olhos com as mãos, aos poucos levanta a cabeça e encara o enfermeiro que desdobra uma camisa de força)

Homem: (expressão de profunda tristeza) É preciso?

Enfermeiro: (leve sorriso, encolhe os ombros e dobra a camisa, brando) Então vamos.

(homem olha para a janela, depois volta-se para a mulher, sussurra-lhe algo)

Homem: Por quê?...

(o segundo enfermeiro toma-lhe o braço e em silêncio o cortejo sai para a rua, as três mulheres precipitam-se para dentro do quarto)

Mulher 1: (lenço amarelo amarrado na cabeça)  Que horror! Como é que você não morreu de susto? Fechada com um louco aqui dentro? Só de pensar fico toda arrepiada!

Mulher 2 (loura de brincos) mas até que ele tinha uma cara bem simpática. Era meio parecido com aquele artista de cinema, aquele meio velho, como é mesmo o nome dele? James...

Mulher 1: Ah! não quero nem saber, Deus que me livre de topar com um louco. E como é que você descobriu que ele tinha fugido? Puxa vida, que você dava até para trabalhar na polícia! Isso prova que a gente devia ter um revólver no quarto. Metralhadora, minha filha.

Mulher 2 (voltando-se para a amiga) Coitado, fiquei com tanta pena. E nem fez nada, não foi? Podia ter abusado, não abusou. Palavra que fiquei com pena, ele lembrava muito aquele artista, nós vimos a fita juntas, o nome começava com James...

Mulher: (repentinamente  desperta, abarca as três mulheres num olhar enfurecido. Empurra-as para fora do quarto) E chega ouviram? Chega! Vão-se embora, me deixem em paz!

Mulher 3: Mas que bruta! A gente estava só querendo...

Mulher: (grita, fechando os punhos) Chega! Saiam todas, vamos, você aí também, saia! Saia! (bate a porta com estrondo, ouve-se ainda as vozes das mulheres falando exaltadas ao mesmo tempo. Olha-se no espelho, apaga a luz, e sentada na cadeira onde o homem estivera, fica olhando a janela)

FIM.       

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