BREVE DRAMA PARTICULAR.




BREVE DRAMA PARTICULAR:

Somos todos covardes diante da morte
Se ela assim se apresenta
Dizendo em alto e bom som
- Eu sou a morte!
Aqui estou!

Não houve por parte de nós
Um só ato heróico
                     Os heróis
                      A si mesmos
                      Ignoram...

Os mitos se perderam na história.
Não há mais nada de ingênuo...

- O lirismo
Está morto?

Nós falamos
Nossa poesia
Pelas ruas
Por muito tempo
Mas não percebemos que ela
Estava morta...
Como um Deus
Oferecemos a ela sacrifícios
Levantamos altares
E dançamos ao redor de fogueiras
A espera da grande Utopia...

Mas como fomos tolos
Imaginando uma revolução
Que afinal não viria
E que se quer fora deflagrada...

E os nossos valores tão nobres
Tão ingênuos...

Alguém gritou da coxia:-
- Como você é cruel!
Mas que espécie de crueldade é essa?

Outro alguém disse:-
Mas olha o público aplaude!
Eles estão de pé... E aplaudem!

Mas Ofélia estava morta de verdade.
Tudo é diversão para o público.
O sangue que jorrava dos meus pulsos
Já inundava o palco...

Enquanto isso
Atores no camarim retiravam a maquiagem
E revelavam suas verdadeiras máscaras...

Alguém me sussurrava nos ouvidos:-
Que complexo de inferioridade é este?

Eu olhava os meus versos
Escritos por acaso num caderno velho
Mais velho que a história das vanguardas...

Como Macbeth
Eu fiz um pacto de sangue
Mas você confundiu tudo
E se iludiu
Com os aplausos do público
Achou que era verdadeiro
O que na verdade era falso.

E quando eu lancei
Um olhar para dentro
Sem medo da vertigem
Que o abismo provoca
Você teve medo (com razão)
Afinal havia sempre a ameaça do suicídio
Da morte além da ficção
A navalha fria sob o pulso
Uma leve pressão da mão...

Mas não houve confirmação
O poema era uma espécie
De sangramento da alma...

Eu disse
E você não entendeu.
Não há inocência neste mundo
Somos todos perversos.
Esta roupa de cordeiro não lhe cai bem!

Você me falou dos seus anseios de família
Dos seus sonhos guardados à sombra
Mas a claridade veio e tudo se dissipou
E o que estava à sombra
Se deteriorou à luz do sol...

As pessoa (sem rostos)
Passavam nas ruas
Como personagens de Magritte
Os movimentos compassados
Autômatos...

- Mas então o que é que nos resta?
(perguntou)
Os poemas envelheceram...
Não há mais nada a dizer?
Pelo amor de Deus!
(Mas Deus está morto!)

Devemos falar as coisas
Como da primeira vez
Palavras-ácidas saindo pela boca
Como um vômito...

Dedalus me olhou atônito
E me beijou na boca
Eu acariciei os seus cabelos
Quase todos grisalhos...

Havia ainda alguma esperança?

-Presta atenção:-
Quando eu falei de dias nublados
Não eram exatamente de dias nublados que eu falava.
A imagem (naquele momento)
Parecia adequada.

O sangue escorrendo pela minha boca
Sem nenhum remorso...

É necessário a crueldade!
Não podemos mais ser benevolentes
O público clama por sangue
Por violência!
Não vê?

E quando nos encontramos
Dias depois num bar
Bebemos cerveja
Escura e espessa
Reavaliamos antigas tragédias
E novos dramas
Tentávamos de certa forma
Reconciliar nossos objetivos
Depor as armas
Estabelecer acordos
Redigir projetos e planos
Repensar a estratégia...

-Não há nada de novo.
Tudo envelheceu prematuramente
Os poemas emboloraram nas gavetas...

Nosso diálogo ficou sem foco.
Uma imagem embaçada no espelho.
A mensagem cifrada
Ininteligível para o povo...

O Povo?
Era uma massa em movimento...
Para onde?

Eu matei Duncan
Com mais de mil punhaladas
E enquanto isso
As pessoas saiam do teatro
Com suas roupas de domingo...

Fiquei ali perplexo
Diante das cadeiras vazias...

Quando finalmente o teatro ficou vazio
Um outro ainda me censurou:-
-Mas porque este balde de água fria?

Eu não pude conter uma gargalhada
Que saiu sonora!

Devemos então nos contentar
Com estes versos?
Amor e ódio? Saudades?
Línguas mortas?
A retórica da história?

A revolução a onde está?
A onde ela se desenvolve?
No coração de quem?

Ora! Ora! Ora!
Eu devoraria este coração sangrento
Agora!  


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